É possível traçar alguns pontos de confluência entre Boris Pasternak, poeta russo e crítico da revolução bolchevique, autor de “Doutor Jivago” e Reinaldo Arenas, poeta cubano crítico da revolução, autor de “Antes que anoiteça”?
Nascido em uma cuba pré revolucionária, Arenas passou pelo governo de Fulgencio Batista, um país analfabeto, com fome, pobre e oprimido. Pasternak nasceu na Rússia czarista, uma autocracia protofeudal de analfabetos famintos e igualmente oprimidos, a diferença está na gênese de cada qual, Arenas na miséria e Pasternak em uma abastada família de judeus assimilados à cultura russa.
Arenas simpatizou com a revolução pela necessidade inegável de transmutação social em seu país, porém desiludido com as perseguições ocorridas nos primeiros anos pós revolução, taxado de anti-revolucionário pelo teor livre de seus poemas e apontado como degenerado, por sua homoafetividade, passou pelo cárcere e os julgamentos do tribunal da revolução, fugiu da ilha e morreu no exílio.
Pasternak, vencedor do Nobel de literatura em 1959, não foi autorizado receber o prêmio pela natureza politica que se desdobrava na esteira da guerra fria. Ironicamente o personagem de seu livro, Jivago, também possuía problemas com as autoridades soviéticas, mas sensível a causas da miséria. Em muitos aspectos Jivago é um Toten, um “alter-ego” do próprio Pasternak.
É importante salientar que Pasternak não tinha problemas diretos em aceitar os ditames do partido, seu problema era com toda e qualquer forma de organização política, para ele, o erro está na organização e na supressão indivíduo pelo coletivo. Participou de reuniões contra o fascismo quando este se espraiou pela Europa, afirmava que o melhor modo de combate a organizacão do terror era não se organizar.
Por motivos óbvios “Doutor Jivago” não fez sucesso dentro da URSS, os textos foram contrabandeados para além da “cortina de ferro” e editados em solo italiano. A proibição vigorou até 1989, liberado após abertura política de Gorbachev.
A obra do cubano Arenas, “Antes que anoiteça”, foi escrita no exílio e não passou pelo mesmo problema do crítico russo.
O papel da literatura é crucial em todo e qualquer regime sócio/político, para impedir condutas arbitrárias, devendo agir como um exame de consciência dos povos e refletido em sentido crítico, muito além de uma limitação estética da cultura e erudição.